ADHEMAR ALTIERI*
Publicado originalmente em 7/7/2017 no LinkedIn
Surpreendeu muita gente a naturalidade e tranquilidade com que Antonio Palocci respondeu a Sergio Moro em seu depoimento esta semana em Curitiba, confirmando inúmeros acontecimentos que já são cogitados há muito tempo e que ganham peso muito maior quando relatados por alguém tão íntimo de Lula, Dilma e o PT, cotado inclusive como possível candidato à presidência em outros tempos. Assistindo, confesso que acabei rindo um pouco, pois era exatamente o mesmo Palocci que conheci de perto em outras circunstäncias.
Em 2006, eu era diretor de Assuntos Institucionais da Amcham, a Camara Americana de Comércio para o Brasil, principal 'Amcham' entre mais de 100 existentes no mundo. Estava se aproximando um dos grandes eventos anuais da Amcham, a apresentação do novo Conselho de Administração para aquele ano. Sugeri trazermos um palestrante de peso para aquele almoço, sempre muito concorrido por reunir alguns dos principais empresários do país, e fiz o convite ao então Ministro da Fazenda, Palocci.
Quase ao mesmo tempo, começou o escândalo envolvendo a quebra do sigilo do caseiro Francenildo, um episódio adicional embutido na crise do Mensalão.
Naquele momento, duvidamos que Palocci viria ao evento, mas continuei em contato com os assessores do Ministro. A pressão da mídia era grande para que Palocci comentasse o caso, já que tudo indicava que a quebra irregular do sigilo do caseiro ocorreu a mando do próprio Ministro. Pallocci se esquivava e não concedia entrevistas.
Com a cerimonia de apresentação do novo Conselho da Amcham se aproximando, começou a ficar claro que Pallocci e seus assessores entenderam que aquele evento tinha peso suficiente para que ele fizesse, quem sabe, uma manifestação definitiva sobre o caso, dando uma resposta à imprensa que o assediava e, quem sabe, invertendo a maré negativa. Isso ficou claro quando ao invés de levantar dúvidas sobre a vinda do Ministro, seus assessores começaram a discutir logística: como será a chegada, onde váo ficar os jornalistas, terão acesso a ele, por onde ele entra, por onde ele sai, etc.
Montamos um esquema que foi considerado adequado pelo Ministério, com segurança reforçada no prédio e em todo o entorno. Dois dias antes do evento a presença de Palocci estava confirmada, mas poucos acreditavam que ele viria. Imprensa, associados da Amcham e convidados para a cerimonia telefonavam incessantemente para a entidade... "O Palocci vem mesmo?" Me lembro de inúmeros empresários, entre os de mais peso do país, querendo certeza que ele viria para confirmar sua própria ida ao evento. No dia do almoço, o presidente de um dos grandes bancos brasileiros ligou duas vezes querendo confirmação, pois precisava reservar um heliponto para aterrisar perto da Amcham...
Palocci veio, o esquema de segurança funcionou, pela primeira vez a Amcham - que tem longa tradição de total liberdade para a mídia, a pedido do Ministério isolou os jornalistas em uma área demarcada ao lado do palco, e Palocci fez o que seria sua última manifestação pública antes de ser desligado do governo.
Após o discurso, em uma sala reservada da Amcham e na presença de assessores, alguns conselheiros e os presidentes executivo e do Conselho, me aproximei dele, agradeci pelo esforço para vir ao evento, e pedi uma entrevista. Os que estavam próximos ficaram boquiabertos com o pedido... mas Palocci, fumando um cigarro e bem acomodado em um sofá, disse com muita naturalidade e sem titubear, "claro que sim". Peguei uma banqueta, me sentei de frente a ele, e gravei o que veio a ser a última entrevista que ele concedeu como Ministro da Fazenda. Dois dias depois ele deixaria o governo.
A entrevista foi capa da Revista Update, que a Amcham publicou por 23 anos consecutivos e que tive o privilégio de dirigir enquanto estive por lá. Inexplicavelmente, após minha saida a revista, que tinha distribuição nacional e gerava pautas em vários dos principais veículos brasileiros, foi encerrada. Não foi mantido nem mesmo o site que disponibilizava o conteúdo de todas as edições, que de certa forma documentavam boa parte da própria história da Amcham.
Meses após essa sequência envolvendo Palocci, com ele já fora do governo e longe dos holofotes da mídia, recebo um telefonema em minha sala: "O Palocci está aí dentro participando de uma reunião...". Localizei a sala, entrei e de fato, lá estava ele, conversando com lideranças de entidades voltadas para a análise econômica. Esperei o final da reunião, fui cumprimentá-lo e pedi nova entrevista para a Update. Assim, além de fazer a última entrevista com Palocci antes de deixar o governo, fiz também a primeira que ele concedeu, meses depois...
A tranquilidade total de Palocci nessas duas ocasiões foi o que me veio à mente quando assisti a forma como ele se dirigiu ao juiz Sérgio Moro.
Ele pode ser culpado do que quer que seja, mas quando resolve que vai falar, fala com transparência e objetividade. Frente a frente com Moro, ele não me pareceu em qualquer instante um ator inventando situações fictícias para livrar sua própria cara. Não tenho qualquer dúvida sobre o que ele relatou esta semana. Se é que os petardos anteriores não foram suficientemente contundentes, com este é caso encerrado.
*ADHEMAR ALTIERI é jornalista com passagens pelo Grupo Estado (Rádio Eldorado), Redes Globo e SBT no Brasil, redes CTV e CBC no Canadá, CBS News dos Estados Unidos e BBC de Londres. Desde 2003 se dedica à comunicação corporativa, como diretor da UNICA, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar, do Instituto de Hospitalidade e da Amcham, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil. É sócio e diretor executivo da MediaLink Comunicação Corporativa.
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